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Morte de um Papa: rituais, luto e a escolha do novo pontífice

A morte de um Papa desencadeia no Vaticano uma série de rituais solenes e protocolos tradicionais, seguidos rigorosamente até a eleição de um sucessor. Com o falecimento do Papa Francisco, aos 88 anos, em 21 de abril de 2025, a Igreja Católica entrou em um desses períodos de transição, conhecido como Sé Vacante. A seguir, explicamos em detalhes o que acontece desde o momento em que um pontífice morre, passando pelo luto oficial e funerais, até o conclave secreto que elegerá o novo Papa.



Verificação oficial do óbito e protocolos imediatos


O primeiro passo após a morte de um Papa é a confirmação solene do falecimento. Essa tarefa cabe ao camerlengo, o cardeal designado para administrar o Vaticano durante a vacância. Tradicionalmente, o camerlengo chama o Papa pelo seu nome de batismo três vezes seguidas; sem resposta, ele declara oficialmente a morte . Até tempos recentes, fazia parte do ritual dar leves batidas na testa do pontífice com um pequeno martelo de prata – prática simbólica que caiu em desuso, mas que ilustra a longa tradição desse protocolo .


Em seguida, expede-se a certidão de óbito e têm início medidas para proteger o legado do Papa. O camerlengo lacra a residência e o escritório papais, garantindo que nada seja removido ou alterado nesses espaços . No caso de Francisco, que vivia na hospedaria Santa Marta em vez dos aposentos papais tradicionais, essa área foi imediatamente isolada para preservar documentos e objetos pessoais. Historicamente, o ato de selar os aposentos visava prevenir saques ou apropriações indevidas durante a anarquia que podia seguir-se à morte do pontífice . Hoje, a medida serve principalmente para salvaguardar o testamento e as últimas instruções do Papa  até que seu sucessor tome posse.


Outro gesto simbólico marca o fim de um pontificado: a destruição do Anel do Pescador. Esse anel de ouro, usado pelo Papa como selo oficial, é retirado do falecido e quebrado diante de testemunhas, geralmente com um golpe de martelo . O objetivo é anular o selo papal, evitando a possibilidade de falsificar documentos em nome do Papa morto, e simbolizar que seu reinado terminou . Da mesma forma, o selo de chumbo oficial do pontífice é invalidado. Somente o novo Papa terá autoridade para portar um novo anel e selo.


Com o óbito comprovado e os objetos de autoridade invalidados, o Vaticano informa a notícia oficialmente. Seguindo a hierarquia, o vigário de Roma (cardeal responsável pela diocese de Roma) é notificado em primeiro lugar, pois o Papa também é Bispo de Roma. Em seguida, o decano do Colégio Cardinalício avisa todos os cardeais ao redor do mundo . Paralelamente, a Secretaria de Estado do Vaticano comunica os governos e líderes mundiais por meio dos núncios apostólicos (diplomatas da Santa Sé) espalhados pelos países . Minutos após a confirmação, a notícia já é divulgada aos fiéis e à imprensa pelos canais oficiais – inclusive pelas redes sociais do Vaticano, como ocorreu com o comunicado da morte de Francisco .


Luto oficial e a “novemdiales”


Com a sede de Pedro vacante, a Igreja entra em luto. Inicia-se então o período dos “novemdiales”, uma palavra em latim que significa “nove dias”. Trata-se de nove dias consecutivos de luto oficial no Vaticano, acompanhados de cerimônias religiosas diárias em memória do Papa falecido  . Nesse intervalo, boa parte das atividades cotidianas da Santa Sé é suspensa e as bandeiras ficam a meio mastro. Milhares de fiéis costumam acorrer a Roma para prestar homenagens, enquanto a mídia mundial volta suas atenções aos ritos antigos que se desenrolam.


Durante os novemdiales, são celebradas missas solenes a cada dia em sufrágio da alma do Papa falecido . Essas cerimônias ocorrem normalmente na Basílica de São Pedro, conduzidas por diferentes cardeais – muitas vezes por aqueles de postos mais altos no Colégio Cardinalício. Ao longo desses nove dias, repete-se o Ofício de Defuntos, rezam-se ladainhas e missas de Réquiem, pedindo-se a Deus pelo descanso do pontífice . Essa prática de nove dias de orações tem raízes antigas, remontando inclusive a costumes do Império Romano que reservavam nove dias de honras fúnebres a personagens importantes, tradição posteriormente incorporada pela Igreja .


Paralelamente às liturgias, ocorrem as chamadas congregações gerais de cardeais. Todos os cardeais presentes em Roma (inclusive os com mais de 80 anos, que embora não votem no conclave, participam dessas reuniões) se reúnem diariamente para tratar dos preparativos do funeral e outros assuntos urgentes . Nesses encontros a portas fechadas, os purpurados organizam a logística das exéquias e do conclave vindouro, discutem brevemente o estado da Igreja e até esboçam perfis desejáveis para o novo Papa, embora sem tratar de nomes explicitamente. É um momento também de unidade e oração conjunta do clero diante do vazio deixado pelo líder falecido.


Esse período de vacância é cuidadosamente orquestrado para equilibrar dois aspectos: o respeito ao luto – honrando devidamente a memória do pontífice –, e a preparação da sucessão – garantindo que a Igreja não fique sem rumo por mais tempo que o necessário. Ao final dos novemdiales, a Igreja já estará pronta para entrar na próxima etapa: o conclave que elegerá o novo Papa.


Cerimônia fúnebre e sepultamento do Papa


Enquanto transcorrem os dias de luto, prepara-se o funeral do Papa. De acordo com a tradição recente (estabelecida pela constituição apostólica Universi Dominici Gregis em 1996), o enterro deve ocorrer entre o quarto e o sexto dia após a morte do pontífice . Essa janela permite tempo para que fiéis do mundo todo viajassem a Roma e se despeçam do Papa, mas também evita uma demora excessiva na realização do funeral.


Antes da missa fúnebre, o corpo do Papa é preparado e colocado em exposição para receber as últimas homenagens. Os primeiros a velar o corpo, ainda no dia ou no dia seguinte à morte, costumam ser familiares, autoridades do Vaticano e chefes de Estado em uma cerimônia privada. Em seguida, realiza-se o velório público na Basílica de São Pedro, geralmente a partir do segundo dia. O corpo é colocado em um esquife ou caixão aberto, vestido com paramentos papais (batina branca, estola, mitra e sapatos vermelhos), e posicionado diante do altar central da basílica. Fiéis formam longas filas que podem durar horas para adentrar o templo e rezar brevemente diante do Papa falecido. No caso de Francisco, seguidor de um estilo humilde, ele expressou desejo de não ser exposto em um trono elevado com almofadas, forma como alguns predecessores foram apresentados, mas sim em um caixão simples a pouca altura do chão . Assim, a cena do velório é de grande comoção: milhares de pessoas passando em silêncio diante do caixão, muitos emocionados e em oração.


A Missa Exequial (funeral) costuma acontecer na Praça de São Pedro, ao ar livre, para comportar a multidão de fiéis e delegações oficiais. A cerimônia costuma ser presidida pelo decano do Colégio dos Cardeais – o cardeal mais sênior – já que não há um Papa reinante naquele momento. É um ritual cercado de simbolismo e tradição: leituras bíblicas escolhidas, cânticos gregorianos, o coro da Capela Sistina entoando o Dies Irae. Participam dezenas de chefes de Estado, monarcas, primeiros-ministros e outras autoridades internacionais, dada a estatura do Papa como líder espiritual de 1,3 bilhão de católicos e chefe de Estado do Vaticano . A liturgia fúnebre é similar à de um bispo, mas com alguns elementos únicos: por exemplo, uma oração final chamada Ultima Commendatio encomenda a alma do Papa à misericórdia divina e aos santos padroeiros.


Fumaça branca sai da chaminé da Capela Sistina, sinalizando ao mundo que os cardeais eleitores escolheram um novo Papa. A fumaça é produzida pela queima das cédulas de votação com substâncias químicas para gerar a cor branca, anúncio tradicional do resultado positivo do conclave.  


Ao término da missa funeral, procede-se ao sepultamento. O corpo do Papa é colocado dentro do caixão definitivo, se este ainda não estiver fechado. Tradicionalmente, são usados três caixões: um caixão interno de cipreste (madeira), que é lacrado e colocado dentro de um segundo caixão de chumbo, e por fim ambos são colocados em um caixão externo de olmo ou carvalho, que é selado com chaves e cordas . Esses múltiplos invólucros simbolizam a dignidade do papado e ajudam a conservar os restos mortais por séculos. Contudo, o Papa Francisco deixou instruções específicas para simplificar esse rito, optando por um único caixão de madeira reforçado com zincagem interna, em vez do pesado conjunto triplo tradicional .


Dentro do caixão, junto ao corpo, alguns itens são depositados conforme o costume: uma bolsa de veludo contendo moedas e medalhas cunhadas durante o pontificado (uma para cada ano de reinado) e um cilindro de metal com um pergaminho chamado “rogito” . O rogito é uma espécie de ata oficial que resume em latim os momentos marcantes da vida e do pontificado daquele Papa – seu nome civil e religioso, datas de eleição e morte, principais feitos do papado – funcionando como uma cápsula do tempo. Esse documento é lido em voz alta perante os presentes antes de ser colocado junto ao corpo . Por fim, o camerlengo cobre o rosto do Papa com um véu de seda branca , num último gesto de piedade, antes que o caixão seja definitivamente fechado e lacrado.


O local do enterro tradicional de quase todos os papas nos últimos séculos é a Necrópole do Vaticano, sob a Basílica de São Pedro. Nas chamadas Grutas Vaticanas, sob o piso da basílica, encontram-se túmulos de dezenas de pontífices. Desde 1903, invariavelmente os Papas falecidos vinham sendo sepultados em São Pedro, seja nas grutas ou em capelas internas . Francisco, contudo, solicitou pessoalmente uma exceção: por devoção especial, ele pediu para descansar na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, onde costumava rezar diante do ícone mariano Salus Populi Romani antes e depois de cada viagem apostólica . Essa alteração rompe com uma tradição de mais de um século , mas foi respeitada – o próprio Papa confirmara em entrevista em 2023 que já havia preparado seu túmulo neste local querido . Após a missa funeral, em cortejo simples, o caixão de Francisco foi levado até Santa Maria Maior e ali colocado em uma capela lateral, selando o momento de despedida.


Com o sepultamento concluído, encerra-se a fase das exéquias. Porém, o período de luto segue até completar os nove dias. A cada um dos dias restantes após o funeral realiza-se ainda uma missa especial em intenção do Papa falecido, concluindo oficialmente os novendiales . Somente depois disso é que a Igreja se volta totalmente para a escolha do novo pontífice.


Preparação do conclave e início da Sé Vacante


Enquanto o mundo acompanha as cerimônias fúnebres, outra frente de eventos se desenrola internamente: a preparação para o conclave, o processo de eleição do novo Papa. “Conclave” vem do latim cum clave (“com chave”), aludindo ao isolamento dos cardeais eleitores trancados a chave para votar . As normas atuais determinam que o conclave deve começar entre 15 e 20 dias após a morte (ou renúncia) do Papa  . Esse intervalo existe para dar tempo de todos os cardeais ao redor do mundo viajarem até Roma. No caso de Francisco, morto em 21 de abril, significa que os cardeais marcaram o início do conclave em meados da primeira semana de maio.


Durante a Sé Vacante, o governo interino da Igreja fica a cargo do Colégio dos Cardeais, dentro dos limites estritos estabelecidos em lei. O camerlengo continua sendo a figura administrativa central, mas suas ações – limitadas a despachos de rotina e medidas inadiáveis – são sempre validadas pelos demais cardeais reunidos . Todos os chefes de departamentos da Cúria Romana perdem seu cargo imediatamente com a morte do Papa (já que eram nomeados por ele), exceto o próprio camerlengo e o Penitenciário-Mor (responsável por questões de confissão e indulgências). Ou seja, nenhuma decisão de grande impacto ou nomeação importante pode ser feita nesse interregno; mudanças doutrinárias ou administrativas de peso ficam suspensas. Os cardeais asseguram apenas o funcionamento básico da Igreja e preparam a transição.


No dia seguinte ao falecimento, o Cardeal Decano (presidente do Colégio) envia carta a todos os cardeais do mundo, convocando-os a Roma . Nas congregações gerais diárias mencionadas, além de organizar o funeral, os cardeais discutem também o andamento da Igreja e os desafios que o novo Papa enfrentará. Embora campanhas formais sejam vetadas, naturalmente já começam as conversas sobre possíveis nomes “papáveis” nos corredores. Esse período permite que os cardeais eleitores se conheçam melhor e troquem impressões, especialmente importante para aqueles vindos de países distantes ou que não convivem habitualmente.


Na manhã do dia marcado para o início do conclave, todos os cardeais participam juntos da Missa Pro Eligendo Pontifice (“Para a eleição do Pontífice”) , celebrada no altar da Cátedra da Basílica de São Pedro. Essa missa votiva implora a inspiração do Espírito Santo na escolha que se fará. A cena é histórica: cerca de 120 cardeais em vestes corais vermelhas, sentados juntos diante do túmulo de São Pedro, rezando pela mesma intenção. Terminada a missa, começa de fato o conclave naquela tarde.


O conclave: isolamento, votos e segredo absoluto


Interior da Capela Sistina, no Vaticano, preparada para um conclave. É neste local histórico, sob os afrescos de Michelangelo, que os cardeais se reúnem em total clausura para eleger o novo Papa.  


Por determinação do Papa João Paulo II, o conclave deve ocorrer na Capela Sistina  – a presença dos grandiosos afrescos de Michelangelo, retratando o Juízo Final e cenas bíblicas, dá um pano de fundo solene e atemporal ao ato de escolher o novo Sucessor de Pedro. Na tarde do primeiro dia de conclave, os cardeais eleitores dirigem-se em procissão ao recinto. Vestindo opa branca e sobrepeliz por cima da batina vermelha, eles cantam juntos o hino latino Veni Creator Spiritus, invocando o Espírito Santo (“Vinde, Espírito Criador…”) . Cada cardeal traz consigo um pequeno livro de orações e seu sufrágio secreto já discernido no coração.


Ao adentrarem a Capela Sistina, os cardeais tomam assento em ordem de precedência – cada lugar marcado com o nome do respectivo purpurado, dispostos ao longo das paredes laterais do recinto . Diante do altar, colocam-se duas mesas: sobre uma estarão três grandes cálices de vidro que servirão de urnas para os votos; sobre a outra, uma bandeja de prata coberta por pano roxo, para o depósito das cédulas . Tudo pronto, inicia-se o juramento solene de sigilo: de pé, cada cardeal aproxima-se do altar, coloca a mão sobre os Evangelhos e pronuncia a fórmula latina em que promete manter segredo absoluto de tudo o que se passar ali e jamais favorecer ingerências externas na eleição. Um a um, todos juram . Em seguida, o mestre de cerimônias papal ergue a voz e exclama a tradicional ordem: Extra omnes! (“Fora todos!”). Todos os que não participam do conclave – assessores, cerimoniários, segurança – se retiram imediatamente da Capela Sistina , deixando apenas os cardeais eleitores em clausura. As portas então se fecham, sendo trancadas com chave. A partir desse momento, os cardeais estão completamente isolados do mundo exterior.


Durante todo o conclave, comunicados externos são estritamente proibidos. Celulares, tablets ou qualquer dispositivo de comunicação são barrados; há inclusive um rigoroso esquema de segurança eletrônica. A própria Sistina e os ambientes adjacentes são submetidos a varreduras para detectar grampos ou transmissores escondidos . Sinais de rádio ou celular na área são bloqueados por bloqueadores de frequência. Os participantes estão cientes de que violar o segredo da eleição é punível com excomunhão automática , uma das sanções mais severas da Igreja. Esse voto de sigilo – que abrange não só os votos, mas quaisquer comentários, gestos ou acontecimentos do conclave – visa garantir total liberdade e discernimento espiritual, evitando pressões externas de fiéis, governos ou mídia. Até mesmo após o conclave, os cardeais se mantêm tradicionalmente discretos: relatos do que se passou só costumam vir à tona muitos anos depois (se é que vêm).


Os cardeais eleitores – que, pelas regras em vigor, devem ter menos de 80 anos de idade no dia da morte do Papa  – formam normalmente um colégio de até 120 membros votantes (embora Francisco tenha ultrapassado ligeiramente esse número durante seu pontificado). No conclave de 2025, por exemplo, havia 135 cardeais com direito a voto, dos quais 108 foram nomeados pelo próprio Papa Francisco ao longo dos anos . Esse colégio cada vez mais global traz cardeais de todos os continentes, refletindo a diversidade da Igreja.


O processo de votação papal é altamente ritualizado. Em cada dia de conclave podem ocorrer, no máximo, quatro votações: duas pela manhã e duas à tarde . No primeiro dia costuma haver apenas uma votação à tarde (logo após a abertura), e a partir do segundo dia ocorrem quatro escrutínios diários. Para ser eleito, um candidato precisa obter uma maioria qualificada de dois terços dos votos dos presentes . Essa exigência reforça o consenso; se, por exemplo, 120 cardeais votam, são necessários 80 votos para a eleição. A regra de maioria de dois terços é mantida sem exceções – mesmo se o conclave se prolongar muito, não há redução desse quórum, conforme confirmado pelo Papa Bento XVI em 2007.


Antes das cédulas serem distribuídas, procede-se a um sorteio entre os próprios cardeais para definir alguns encargos: escolhem-se três escrutinadores (que contarão os votos), três revisores (que verificarão a contagem) e três infirmários (encarregados de recolher voto de algum cardeal eleitor doente que esteja eventualmente hospedado na enfermaria). Em seguida, cada cardeal recebe uma quantidade de cédulas em branco. Essas cédulas são retângulos onde se lê no topo “Eligo in Summum Pontificem” (“Eu elejo como Sumo Pontífice”) . Cada eleitor preenche, abaixo, o nome daquele que considera ser o escolhido de Deus para a missão. Para evitar qualquer identificação da caligrafia, os cardeais escrevem em letras maiúsculas e com mão firme e impessoal , e recebem várias cédulas de reserva caso errem ou queiram rasurar até ficarem satisfeitos. Ao dobrar seu voto, cada cardeal faz uma oração em voz baixa declarando diante de Cristo que está escolhendo quem sinceramente crê ser o melhor para a Igreja .


Um a um, em ordem de precedência, os cardeais vão até o altar com a cédula dobrada nas mãos postas. Diante do altar, pronunciam de forma resumida o juramento (“Testemunho Cristo Senhor, que meu voto é dado àquele que julgo diante de Deus deve ser eleito”)  e depositam a cédula sobre a bandeja de prata; então deslizam a cédula da bandeja para dentro de uma urna de vidro . Assim que todos votam, inicia-se a contagem: os escrutinadores recolhem a urna e misturam os votos. Os votos são contados e lidos em voz alta: o primeiro escrutinador retira uma cédula, anota o nome, passa ao segundo, que anota e passa ao terceiro, que lê em voz alta o nome escrito . Cada nome lido é registrado numa lousa. Ao final da leitura, os revisores conferem se a contagem de votos bate com o número de votantes e se os escrutinadores não cometeram engano de soma . Por garantia, cada cédula lida é perfurada com agulha e linha na palavra Eligo – todas as cédulas são assim costuradas juntas como um “livrinho” – e então guardadas em um recipiente à parte .


Se ninguém atingir os dois terços necessários, procede-se a nova votação. Ao término de duas votações inconclusivas seguidas, queima-se o conjunto de cédulas daqueles escrutínios. É nessa hora que a famosa fumaça preta aparece na chaminé instalada no telhado da Capela Sistina, indicando ao mundo que ainda “não há Papa” . A fumaça negra é produzida adicionando-se substâncias químicas ou carvão úmido à queima das cédulas, dando-lhe coloração escura. Os fiéis reunidos na Praça São Pedro e os telespectadores ao redor do globo entendem o recado e sabem que devem continuar esperando. As votações seguem então para a rodada seguinte, conforme o cronograma: manhã seguinte ou tarde, conforme o caso.


Esse ritual se repete quantas vezes forem necessárias até que algum nome alcance a maioria qualificada. Quando isso finalmente ocorre – seja ao fim de 4, 5, 10 ou mais votações –, os escrutinadores confirmam o resultado e não queimam as cédulas imediatamente. Primeiro, o Cardeal Camerlengo (ou o decano, dependendo das funções) pergunta formalmente ao cardeal eleito se ele aceita a eleição: “Acceptasne electionem de te canonice factam in Summum Pontificem?” (“Aceitas a tua eleição canônica para Sumo Pontífice?”). Ao dizer “Accepto”, aquele cardeal se torna, naquele exato instante, o novo Papa – Bispo de Roma e líder supremo da Igreja Católica. Ele é convidado a escolher um nome papal pelo qual passará a ser conhecido (por exemplo, João Paulo II, Francisco etc.) . Em seguida, é conduzido pelos mestres de cerimônia até a sacristia anexa à Capela Sistina, apelidada de “Sala das Lágrimas” – possivelmente devido à emoção que toma conta do eleito nesse momento. Lá, ele encontra três túnicas brancas de tamanhos diferentes preparadas antecipadamente e veste a que lhe servir. Também recebe o pálio e a cruz peitoral de Papa. Enquanto o novo pontífice se paramenta, na Capela Sistina os cardeais presentes fazem uma oração coletiva e agradecem a Deus pelo novo sucessor de Pedro.


Vestido de branco, o Papa recém-eleito retorna à Capela Sistina, onde todos os cardeais se aproximam para prestar-lhe obediência, um a um, em ordem hierárquica . Muitos o abraçam emocionados; a Igreja tem novamente um pai espiritual presente. Em paralelo, lá fora, a fumaça branca finalmente sai da chaminé do Vaticano, sinalizando para a Praça São Pedro jubilosa que “Habemus Papam!” – temos um Papa. Para não haver qualquer dúvida, os sinos da Basílica de São Pedro também começam a tocar festivamente assim que se confirma a fumaça branca da chaminé . É o anúncio que milhões aguardavam.


Minutos depois, o cardeal protodiácono (diácono mais antigo entre os cardeais) aparece na sacada central da basílica e proclama, em latim, a fórmula histórica: “Annuntio vobis gaudium magnum: habemus Papam! Eminentissimum ac Reverendissimum Dominum, Dominum , qui sibi nomen imposuit .” (“Anuncio-vos uma grande alegria: temos Papa! O eminentíssimo e reverendíssimo senhor, Dom , que escolheu para si o nome de .”). Em seguida, o novo Papa em pessoa surge na varanda da Basílica de São Pedro para saudar a cidade de Roma e o mundo inteiro. É o momento em que o ciclo se completa: o período de Sé Vacante termina oficialmente, e um novo pontificado tem início sob os aplausos e as orações dos fiéis reunidos.


Mudanças recentes introduzidas pelo Papa Francisco


O Papa Francisco, ao longo de seu pontificado de 12 anos, deixou sua marca pessoal também nesses rituais centenários – tanto nos protocolos fúnebres quanto nas regras do conclave. Conhecido por seu estilo pastoral simples e avesso a pompas, Francisco promoveu adaptações para tornar as cerimônias mais enxutas e devolvê-las ao foco espiritual. Em 2022, após a morte do Papa Emérito Bento XVI (que foi o primeiro caso em séculos de um Papa que presenciou o funeral de seu predecessor), Francisco percebeu a necessidade de atualizar o ritual de funerais papais. Por isso, entre abril e novembro de 2024 ele promulgou uma nova edição do Ordo Exsequiarum Romani Pontificis – o livro litúrgico que regula os funerais de pontífices . Essa foi a primeira grande revisão desde o ano 2000, adaptando o cerimonial às perspectivas do Papa atual.


Segundo Dom Diego Ravelli, Mestre de Celebrações Litúrgicas do Vaticano, Francisco pediu que se simplificassem e ajustassem alguns ritos para que o funeral do Bispo de Roma evidenciasse mais a fé cristã na Ressurreição, e menos a ideia de um “chefe de estado” com honras mundanas . “O rito renovado deveria enfatizar ainda mais que o funeral do Pontífice é o de um pastor e discípulo de Cristo, e não de uma pessoa poderosa deste mundo”, explicou Ravelli ao Vatican News . Por isso, várias tradições foram revistas. Por exemplo, Francisco determinou que a verificação da morte ocorresse numa capela privada, e não no quarto papal, com o corpo já trajado de batina branca e cercado por orações . Assim, no caso dele, quando faleceu, seu corpo foi levado a uma capela interna onde familiares e alguns clérigos puderam participar de uma breve cerimônia de confirmação do óbito antes do anúncio público.


Outra mudança significativa foi em relação ao caixão e velório. Francisco dispensou o uso dos três caixões sobrepostos (cipreste, chumbo e madeira nobre) que por séculos envolviam os papas, julgando a prática excessivamente protocolar . Em vez disso, estipulou um único caixão simples, desde o início, poupando etapas logísticas. Além disso, alterou a forma de exposição do corpo: em vez de ficar entronizado num catafalco elevado com inúmeros paramentos, como se via antigamente, determinou que seu corpo fosse exposto ao público apenas dentro do caixão aberto, ao nível do chão . Essa decisão, já mencionada, visou imprimir humildade e sobriedade ao último adeus. Francisco também estabeleceu explicitamente a possibilidade de sepultamento fora da Basílica de São Pedro – algo inédito desde 1903. Seu desejo de repousar em Santa Maria Maior abriu precedente para que futuros papas, se justificável, possam escolher outro local significativo para seu sepultamento .


No tocante à eleição papal, Francisco manteve intactas as regras essenciais do conclave definidas por seus antecessores, mas seu pontificado influenciou indiretamente o processo de escolha do novo Papa. Ele nomeou cardeais de perfil bastante diverso, trazendo para o Colégio Cardinalício muitos representantes de países periféricos, das “pontas” da Igreja, como Ásia, África, Américas e Oceania. Com isso, alterou o equilíbrio geográfico e pastoral entre os eleitores. Em 2025, por exemplo, dos 135 cardeais aptos a votar, apenas 27% eram europeus, enquanto os demais 73% vinham de outros continentes – um dos colégios de cardeais mais internacionalizados da História. Além disso, cerca de 80% dos eleitores foram criados cardeais pelo próprio Francisco , muitos alinhados com sua visão pastoral de Igreja em “saída” missionária, de valorização da justiça social e do diálogo. Essa composição, em teoria, tende a favorecer a eleição de alguém que dê continuidade ao seu legado, embora o Espírito Santo frequentemente traga surpresas.


Em termos de procedimentos, Francisco reforçou medidas de transparência e segurança no conclave. Seguindo os avanços tecnológicos, aprovou o uso de bloqueadores de sinal mais potentes e sistemas antidrone no entorno da Capela Sistina, para evitar espionagem digital – uma preocupação inexistente em conclaves de décadas atrás. Também manteve rigorosamente a pena de excomunhão a quem quebrar o segredo do conclave, sem abrandamentos. Por outro lado, demonstrando confiança no Colégio, não fez alterações na regra dos 120 eleitores máximos nem na idade de exclusão (80 anos), e não interferiu no juramento tradicional. Em síntese, as mudanças de Francisco visaram principalmente o lado litúrgico e cerimonial (simplicidade nos funerais) e o lado pastoral e representativo (perfil dos cardeais), sem romper drasticamente com a herança normativa de São Paulo VI, São João Paulo II e Bento XVI.


Curiosidades históricas pós-morte papal


  • Origem medieval do “conclave” – O termo conclave (literalmente “com chave”) surgiu após o mais longo interregno da história da Igreja. Entre 1268 e 1271, após a morte do Papa Clemente IV, os cardeais ficaram quase três anos sem conseguir eleger um Papa, devido a facções discordantes . A situação só se resolveu quando as autoridades de Viterbo, cidade onde se reuniam, trancaram os cardeais a sete chaves, cortaram suprimentos e até destelharam o local do conclave para expô-los às intempéries – pressão que finalmente levou à eleição do Papa Gregório X após 34 meses de sede vacante . Desde então, decretou-se que os cardeais ficariam isolados cum clave para votar, dando nome à tradição.

  • Eleição de não-cardeais – Em teoria, qualquer homem católico batizado e maior de idade pode ser eleito Papa, mesmo que não seja cardeal ou sacerdote. No passado remoto, houve papas que eram simples padres ou até leigos eleitos e imediatamente ordenados bispos. Entretanto, desde o século XII todos os papas eleitos têm sido cardeais , o que na prática torna o Colégio Cardinalício o único viveiro de candidatos. O último não-cardeal eleito foi Urbano VI, em 1378, que era arcebispo e não tinha o barrete cardinalício.

  • Renúncia papal – A imensa maioria dos Papas reinou até a morte. A única exceção moderna foi Bento XVI, que renunciou ao pontificado em 2013 alegando idade avançada, algo que não ocorria havia quase 600 anos. Numa renúncia, os mesmos ritos da Sé Vacante se aplicam, com exceção das exéquias. No caso de Bento, não houve funeral de Papa reinante (ele veio a falecer quase dez anos depois, já como Papa Emérito), mas houve conclave normalmente  14 dias após a vacância da Sé, inaugurando um precedente contemporâneo para a eventualidade de renúncias. A última renúncia antes de Bento XVI foi a de Gregório XII em 1415, em meio ao Grande Cisma do Ocidente.

  • Novemdiales e o povo de Roma – Antigamente, os funerais papais e os nove dias de luto eram ocasiões não apenas religiosas, mas também cívicas. Nos séculos passados, o povo romano tinha participação ativa: havia cortejos pelas ruas de Roma, distribuição de esmolas aos pobres em nome do Papa falecido e outros ritos públicos. Hoje, a maior parte das cerimônias limita-se ao Vaticano e à Basílica de São Pedro, mas ainda assim as multidões participam intensamente – como em 2005, quando cerca de 3 milhões de pessoas foram render tributo a São João Paulo II em sua morte, formando filas quilométricas noite adentro.

  • Linha sucessória ininterrupta – Apesar dos interregnos durante as sé vacantes, a Igreja considera que a sucessão de São Pedro continua de forma ininterrupta. Assim que um Papa morre, ele deixa de ser Papa, mas imediatamente o Colégio dos Cardeais, como um todo, assume a responsabilidade pela Igreja até eleger o sucessor. Não há “vice-papa”; a liderança coletiva dos cardeais garante a continuidade. Desde São Pedro (considerado o primeiro Papa) até Francisco, houve 266 papas listados. O processo atual assegura que, mesmo em períodos de luto e incerteza, a Barqueira de Pedro segue seu curso, fiel à promessa evangélica de presença do Espírito Santo na Igreja.


Linha do tempo: do falecimento à eleição


  • Imediatamente após a morte – O camerlengo verifica o óbito chamando pelo nome do Papa três vezes e declara a morte oficialmente . A notícia é comunicada aos cardeais e ao mundo; o anel papal é destruído e os aposentos papais são selados  . Inicia-se a Sé Vacante.

  • 1º ao 3º dia – O corpo do Papa é preparado e levado à Basílica de São Pedro para o velório público. Milhares de fiéis e autoridades passam pelo local para se despedir. Os cardeais reunidos em congregações gerais começam a organizar o funeral e o conclave .

  • 4º ao 6º dia – O funeral papal é realizado, geralmente no 5º ou 6º dia após a morte, com missa solene na Praça de São Pedro . Ao final, ocorre o sepultamento, normalmente nas Grutas do Vaticano (no caso de Francisco, na Basílica de Santa Maria Maior, por desejo pessoal) . Com o enterro, concluem-se as exéquias.

  • Até o 9º dia – Prosseguem as missas diárias de luto (novemdiales) em memória do Papa falecido , celebradas por cardeais na Basílica de São Pedro. Ao nono dia, encerra-se o período oficial de luto.

  • 15º dia (aprox.) – Após o luto, começa o Conclave para eleger o novo Papa, em data decidida pelos cardeais dentro do intervalo de 15 a 20 dias pós-morte . Na manhã desse dia celebra-se a Missa Pro Eligendo Pontifice, e à tarde os cardeais eleitores ingressam em isolamento na Capela Sistina .

  • Durante o conclave – Os cardeais votam até quatro vezes ao dia (duas de manhã, duas à tarde) em escrutínios secretos . Após cada rodada sem resultado, as cédulas são queimadas; a fumaça preta vista na chaminé indica votação inconclusiva . Os cardeais permanecem totalmente isolados e juramentados ao sigilo .

  • Eleição e anúncio – Quando um candidato atinge a maioria de dois terços dos votos, ele é eleito Papa . O escolhido aceita e escolhe um nome pontifício, sendo então revestido com a batina branca. A fumaça branca na chaminé e o repicar dos sinos de São Pedro anunciam ao mundo a eleição . Pouco depois, o cardeal protodiácono proclama o célebre “Habemus Papam” e o novo Papa aparece na sacada para dar a primeira bênção apostólica, pondo fim à Sé Vacante.


Com esses rituais cuidadosamente observados, a Igreja Católica honra a memória de seu líder falecido e assegura uma transição ordenada para o próximo pontífice. Todo o processo – da morte ao Habemus Papam – reflete uma mistura única de tradição antiga, fé profunda e organização institucional, algo que vem se repetindo ao longo de dois milênios de história da Igreja.   


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