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As Reformas do Papa Francisco: um pontificado de mudança na Igreja Católica

O pontífice que sacudiu as estruturas da Cúria, ampliou a presença feminina e aproximou a Igreja das periferias


Desde que foi eleito em 13 de março de 2013, o Papa Francisco marcou seu pontificado por uma série de reformas que alteraram significativamente o funcionamento interno da Igreja Católica. Primeiro Papa latino-americano da história, e também o primeiro jesuíta a ocupar o trono de Pedro, Jorge Mario Bergoglio assumiu o pontificado com a missão clara de renovar a Cúria Romana, tornar a Igreja mais próxima dos pobres e dar respostas concretas aos desafios contemporâneos. Do Vaticano ao interior da África, da Amazônia à Ásia, suas decisões ecoaram como sinal de um novo tempo.



Uma nova lógica para o governo da Igreja


Um dos pilares das reformas de Francisco foi a reestruturação da Cúria Romana, o organismo central que administra a Igreja Católica. Em 2022, foi publicada a constituição apostólica Praedicate Evangelium, substituindo a anterior Pastor Bonus, em vigor desde 1988, no pontificado de João Paulo II. O novo documento reformulou os dicastérios (equivalentes a ministérios) do Vaticano, estabelecendo que todos eles estão a serviço da evangelização, e não mais organizados por precedência doutrinal ou sacramental.


Uma das mudanças mais significativas foi a elevação do então Conselho Pontifício para a Nova Evangelização ao patamar de primeiro dicastério, indicando a centralidade da missão pastoral no governo da Igreja. Além disso, Francisco reduziu o poder de concentração do Dicastério para a Doutrina da Fé, que historicamente tinha grande influência, especialmente no julgamento de casos de dissidência teológica.


Cúria mais simples, transparente e descentralizada


Outra meta clara do Papa Francisco foi combater o excesso de burocracia e o clericalismo no funcionamento da Igreja. Ainda em 2013, criou o chamado "Conselho dos Cardeais", um grupo consultivo composto inicialmente por oito cardeais de diferentes regiões do mundo. O objetivo era envolver representantes da “Igreja nas periferias” no processo de reforma da Cúria, descentralizando o poder e promovendo maior colegialidade nas decisões.


Francisco também introduziu critérios de transparência e controle financeiro mais rígidos no Vaticano. Criou o Secretariado para a Economia, liderado inicialmente pelo cardeal George Pell, com a missão de centralizar e fiscalizar as finanças da Santa Sé. Reformulou os processos de auditoria, estabeleceu novos códigos de contratação e combateu práticas irregulares. A gestão dos recursos do Vaticano passou a ter maior vigilância e um sistema mais alinhado aos padrões internacionais.


Combate aos abusos e tolerância zero


O Papa Francisco também promoveu reformas importantes no enfrentamento à crise global de abusos sexuais cometidos por membros do clero. Em 2019, publicou a carta apostólica Vos Estis Lux Mundi, que instituiu normas mais claras e universais para a apuração de denúncias e a responsabilização de bispos e superiores religiosos que acobertarem casos.

O documento exige que todas as dioceses do mundo estabeleçam canais seguros e acessíveis para denúncias, e que investigações sejam realizadas em prazos definidos. Pela primeira vez, o Vaticano se comprometeu oficialmente a responsabilizar não apenas os abusadores, mas também aqueles que permitiram sua impunidade. Ainda nesse campo, Francisco aboliu o segredo pontifício nos casos de abuso sexual, facilitando a cooperação das dioceses com a justiça civil.


A voz das mulheres e dos leigos


Um dos temas centrais do pontificado de Francisco foi a inclusão de leigos e mulheres nas estruturas de decisão da Igreja. Embora o sacerdócio feminino continue sendo uma questão em aberto, o Papa deu passos inéditos nesse sentido. Nomeou mulheres para cargos nunca antes ocupados por elas no Vaticano, como a religiosa Sister Nathalie Becquart, vice-secretária do Sínodo dos Bispos, e a teóloga Francesca Di Giovanni, que ocupou um cargo de liderança na Secretaria de Estado.


Em 2025, Francisco nomeou a primeira mulher a chefiar um dicastério: Simona Brambilla, superiora das Irmãs Missionárias da Consolata, assumiu o Dicastério para a Vida Consagrada. Além disso, pela primeira vez em 2021, permitiu formalmente que mulheres pudessem ser instituídas como leitoras e acólitas – funções litúrgicas antes reservadas a homens.


Também se intensificou a valorização do papel dos leigos na vida pastoral da Igreja. Em suas exortações e discursos, o Papa incentivou a formação de conselhos pastorais participativos e o envolvimento de homens e mulheres não ordenados nas decisões das paróquias e dioceses.


Uma Igreja sinodal e em saída


A ideia de uma Igreja sinodal – em que todos caminham juntos, com escuta mútua e discernimento comunitário – foi outra ênfase das reformas. Francisco convocou o Sínodo sobre a Sinodalidade (2021-2024), com ampla participação de bispos, religiosos, leigos, mulheres e representantes de minorias, incluindo LGBTQIA+, indígenas e pessoas em situação de exclusão. Pela primeira vez, leigos com direito a voto participaram de uma assembleia sinodal, algo antes restrito ao episcopado.


Essa iniciativa se alinha à visão de uma Igreja em saída, conforme proposta em sua primeira exortação apostólica, Evangelii Gaudium (2013). Para Francisco, a Igreja deve estar presente nas “periferias existenciais”, acompanhando o povo em suas dores e esperanças. A evangelização, portanto, não é uma imposição, mas um diálogo; não um tribunal, mas um hospital de campanha.


Uma nova composição do Colégio Cardinalício


O Papa também reformou a composição geográfica e simbólica do Colégio Cardinalício, que elege o próximo Papa. Francisco nomeou cardeais de regiões historicamente sub-representadas, como Burkina Faso, Laos, Mianmar, Timor Leste e Mongólia, ampliando a representatividade global da Igreja. Em dezembro de 2024, por exemplo, o consistório incluiu cardeais de países como Irã, Argélia e Japão, reforçando a abertura ao mundo muçulmano e asiático.


Atualmente, a maioria dos cardeais com direito a voto foi nomeada por ele. Isso significa que, além das reformas administrativas e pastorais, Francisco moldou o futuro da Igreja por meio da escolha dos eleitores do próximo pontífice.


Uma transformação duradoura


As reformas do Papa Francisco não foram apenas estruturais, mas espirituais e simbólicas. Sua liderança rompeu protocolos, humanizou o papado e aproximou a Igreja de fiéis distantes. A defesa de uma Igreja mais simples, sinodal, ecológica e misericordiosa redefiniu o papel do Vaticano em um mundo cada vez mais desigual, dividido e em crise.


Seu legado, marcado por coragem e coerência, ainda será avaliado pelas gerações futuras. Mas, para milhões de católicos e não católicos ao redor do mundo, o pontificado de Francisco representa uma era de transição – em que a tradição se encontrou com o desafio da renovação. Uma Igreja que fala menos de si e mais do mundo que quer servir.

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